Madrugada, ela acordou de um sono perturbado. O
rosto de uma velha senhora, que permeou seu sonho, ainda pairava em sua mente.
O teto do quarto mal iluminado, pelo fio de luz
que furtivamente entrava pelo vidro da janela, criava a atmosfera perfeita.
Aquela face enrugada, com olhos firmes e frios de uma desconhecida, fazia ecoar
a frase que a fez despertar: "a sua maldição será...".
Banhada de suor levantou-se apressada da cama,
sob o olhar severo e irritado do Nemamiah, seu gato, que se encontrava
acomodado junto a sua cintura sobre as cobertas.
A água do banho, aquela hora da manhã, lhe caia
como um tijolo e junto ao silêncio da noite a faziam refletir sobre o possível
fim daquela profecia. As palavras da velha ondulava em sua mente sem parar, e a
trazia uma estranha inquietação.
Eram 5:07 da manhã quando Eva voltou para cama
e sentou no escuro quarto, que agora se encontrava sombreado pela luz da sala a
entrar pela porta entreaberta. “...maldição...”. Tateou sob o travesseiro a
procura do celular e deitou-se. Seus olhos se encontraram com o de Nemamiah,
que continuava deitado sobre os cobertores e observava sonolento os movimentos
da dona.
Na tentativa de dormir, a cama ficou grande, os
lençóis muito quentes, as cobertas pequenas demais para as pernas e o
travesseiro não apoiava a cabeça. Segundos tornaram-se uma eternidade. “...sua
maldição...”. O rosto a assombrava sem parar, qual seria o fim da frase? Qual
seria a lição por trás daquelas linhas.
Minutos tornaram-se meses, “... maldição...”. O
celular foi consultado inúmeras vezes para saber as horas, que tanto custavam a
passar. A mente, lhe vinham todas as preocupações e previsões de como seria o
dia seguinte. Como seria seu dia depois da noite mal dormida? Mas nada pesava
mais que aquele sussurro, aquele ressoar das duas palavras da velha. “...sua maldição...”.
Nemamiah que olhava fixamente sua dona a rolar
na cama inquieta, sem esboçar nenhuma reação levantou-se, se espreguiçou de
maneira displicente e desceu da cama em direção a seu prato d’água.
“A sua maldição...”. A cabeça de Eva que se
tornara um turbilhão de ideias e medos seguiu completando a frases de infinitas
e terríveis maneiras, tentando achar seu real significado.
Em certo momento, o Nemamiah, que assistia de
longe a angustia de Eva, vai a seu encontro e toca de leve o gelado nariz a bochecha
da moça. Como quem recebe um toque de lucidez, que a faz ser invadida por uma
profunda paz e ela entende que nada tem a temer.
A face que tanto a perturbara durante aquela
noite, se desfez em nuvens. E a voz rouca que repetia incessantemente a frase
em sua cabeça, foi substituída pelo silêncio.
Seus olhos foram se fechando devagar, seu corpo
se relaxando e todos seus medos se foram.
E só então uma certeza lhe veio a mente, em uma
voz masculina, doce e de tom tranquilizador: “A sua maldição será... a dúvida.”.
Ouviu ela segundos antes de adormecer.